A 23
de Maio de 1881 nascia na freguesia de São Pedro, no concelho de Celorico da
Beira, Artur de Sacadura Freire Cabral.
Com
pouco mais de 16 anos de idade, e já com os estudos concluídos na Escola
Politécnica, assenta praça em 10 de Novembro de 1897, sendo promovido a
Aspirante de Marinha e dando assim início à sua carreira na Armada.
A
morte de seu pai, o Dr. Artur Sacadura Cabral, de quem herdara o nome, terá
constituído uma das motivações para seguir uma carreira naval, longe da sua
terra natal, uma vez que sua mãe ficara com a responsabilidade de criar e
educar os seus dez filhos.
Com
34 anos, no limite da idade máxima, Sacadura Cabral é um dos onze candidatos
selecionados para a frequência de um curso de aeronáutica militar no
estrangeiro. Juntamente com o Guarda Marinha Caseiro, de Administração Naval,
segue então para a Escola Aeronáutica Militar em Chartres, enquanto que os
restantes nove candidatos do Exército seguiram para os Estados Unidos e
Inglaterra.
No
ano seguinte, a 9 de Março, conclui as últimas provas necessárias à obtenção do
brevet militar de piloto, tendo sido considerado como “trés bon pilote”. Havia
alcançado o seu objetivo.
Até
então, praticamente toda a sua carreira enquanto Oficial da Armada havia sido
passada fora da Metrópole. Em Janeiro de 1901, Sacadura Cabral seguiu a bordo
do cruzador “S. Rafel”, com destino à Divisão Naval do Índico, onde, a partir
de 1903, ano da sua promoção a 2º Tenente, veio a comandar as
lanchas-canhoneiras “Sabre” e “Lacerda” e ainda o vapor “General
Silvério”.
Seguiram-se
depois os trabalhos no campo da Hidrografia, integrando primeiro a Missão de
estudos Hidrográficos de Quelimane em 1904, e no ano seguinte fazendo parte da
Missão Hidrográfica de Lourenço Marques, trabalhando depois nos levantamentos
topográficos para a retificação da fronteira com o Traansval.
A
sua promoção a Primeiro-Tenente chega em Setembro de 1911, ano em que é nomeado
Adjunto do Comissário de Limites da Missão Portuguesa na Província de Angola.
Mas antes, entre 1907 e 1910, ainda com o posto de Segundo-Tenente, trabalhou
sob as ordens de Gago Coutinho, então Capitão-Tenente, na triangulação
geodésica de Moçambique. Começava então a amizade entre aqueles que, anos mais
tarde, iriam marcar com os seus nomes, esforços e saberes um dos mais marcantes
episódios da história mundial do século XX.
Concluído
o curso de piloto militar em Chartres, por iniciativa própria, Sacadura Cabral
foi frequentar um estágio em hidroaviões, no centro da Aeronáutica Naval de
Saint Raphael, onde terminou a sua preparação como piloto. Mas antes de
regressar a Lisboa, cooperou na aquisição de diverso material aeronáutico para
o Ministério da Guerra, tendo ainda sugerido ao Ministério da Marinha a
aquisição de dois hidroaviões ao consórcio Franco-Britânico FBA. Estes
aparelhos, os primeiros utilizados pela Armada, chegariam a Portugal ainda em
1916, um dos quais encontra-se exposto, e em perfeito estado de conservação, no
Museu de Marinha. E foi precisamente num destes aparelhos que Sacadura levou a
voar o então Ministro da Marinha, Azevedo Coutinho, o qual terá ficado rendido
às potencialidades da utilização de meios aéreos na Armada. Gago Coutinho foi
outro ilustre convidado, realizando, a 23 de Fevereiro de 1917, o seu baptismo
de voo com Sacadura Cabral aos comandos de um “Maurice Farman 1912”, tendo
ficado igualmente impressionado pelas possibilidades que os meios aéreos
conferiam.
A
aquisição dos hidroaviões FBA e os contactos estabelecidos por Sacadura com os
construtores aeronáuticos franceses e ingleses permitiu-lhe desenvolver os
conhecimentos específicos sobre motores e aparelhos, que lhe foram reconhecidos
aquando da sua nomeação como Chefe de Instrução do primeiro curso da Escola
Militar de Aeronáutica de Vila Nova da Rainha, logo após o seu regresso a
Portugal em 1916.
Por
decreto de 28 de Setembro de 1917, criava-se formalmente a Aviação Marítima,
designação mais tarde alterada para Aeronáutica Naval. Criadas as
infra-estruturas de apoio na doca do Bom Sucesso, Sacadura Cabral vai ser
novamente encarregue de adquirir em França aparelhos e material aeronáutico que
o próprio considerasse mais adequadas para o efeito.
Em
1919 concretiza-se a primeira tentativa de travessia do Atlântico Norte,
realizada pela Marinha Americana. Partindo da Terra Nova, os hidroaviões
americanos alcançam os Açores, em Ponta Delgada, não sem terem registado
algumas perdas, e graças ao apoio de uma linha contínua de navios de guerra
que, de 60 em 60 milhas, indicavam a direção a seguir aos pilotos dos
aparelhos. O trajecto entre os Açores e Lisboa é realizado pelo Tenente Reed,
com o qual Sacadura contacta pessoalmente no Bom Sucesso. É precisamente nesse
ano de 1919, mas antes mesmo da realização da viagem dos americanos, que
Sacadura Cabral apresenta ao Governo Português o seu projeto de travessia aérea
do Atlântico sul, ligando Lisboa ao Rio de Janeiro, por ocasião da visita do
Presidente da República Brasileira, o Dr. Epitácio Pessoa.
Iniciam-se
então uma série de viagens experimentais. A principal foi realizada em 22 de
Março de 1921. Aos comandos de um hidroavião bimotor, tendo por segundo piloto
o Tenente Ortins de Bettencourt, como navegador Gago Coutinho e como mecânico o
francês Soubiran, Sacadura Cabral e a sua equipa realizam a primeira travessia
aérea entre o continente e a ilha da Madeira, no raid Lisboa – Funchal.
Desde
praticamente o início do projeto de ligação aérea entre Lisboa e o Rio de
Janeiro, que Sacadura Cabral contava com o apoio do seu antigo chefe em África,
o Comandante Gago Coutinho, a quem tinha convidado para tomar o lugar de seu
navegador.
Com
toda a precisão, o navegador da expedição havia conseguido indicar o caminho
correto até à ilha da Madeira, um minúsculo ponto na imensidão do Oceano.
Ficava assim comprovada a eficácia dos seus inventos, nomeadamente da adaptação
de um horizonte artificial ao vulgar sextante marítimo, que permitia que este
fosse utilizado independentemente da altitude em que o aparelho se encontrasse.
Paralelamente, Sacadura e Coutinho desenvolveram em conjunto um aparelho que
visava a rápida resolução dos cálculos necessários à navegação, designando-o
por corretor de rumos.
A 30
de Março de 1922, Gago Coutinho e Sacadura Cabral aceleravam pelo Tejo,
ganhando altitude perante a multidão que os observava. O “Lusitânia”, assim
fora batizado o hidroavião monomotor inglês da casa Fairey, a quem Sacadura
havia adquirido três aparelhos, iniciava a 1ª Travessia do Atlântico Sul, e
nesse mesmo dia concluiu a etapa Lisboa – Canárias. Seguiam-se as ilhas de Cabo
Verde como próxima paragem, após as quais Fernão de Noronha. No entanto, devido
a limitações de combustível, Sacadura decide rumar até aos Penedos de S. Pedro,
onde pretendia amarar para ser reabastecido pelo cruzador “República”. Mas,
durante a amaragem, um dos flutuadores quebrou-se e o aparelho afocinhou
rapidamente no mar. Os escalares do cruzador “República” que aguardava
impacientemente pelos aviadores portugueses, prontamente acorreram até ao
aparelho, socorrendo-os e salvando apenas alguns documentos e aparelhos,
acabando o “Lusitânia” por se perder no mar.
Um
segundo aparelho, o “F 16” que entretanto havia sido enviado a bordo do navio
brasileiro “Bagé” a fim de dar continuidade à viagem, é forçado a amaragem de
emergência no troço entre os Penedos e Fernão de Noronha devido a problemas de
alimentação do motor. Há já várias horas a flutuarem com dificuldade, os dois
aviadores portugueses são finalmente resgatados a uma morte lenta no mar pelo
navio inglês “Paris Star”.
Um
terceiro avião, o último da série Fairey, é então enviado para Fernão de
Noronha pelo Governo Português, pressionado pela opinião pública que insistia
na continuidade da viagem e no apoio aos aviadores da Armada. O “F 17”, mais
tarde batizado pela esposa do Presidente Brasileiro de “Santa Cruz”, é entregue
a Sacadura e Coutinho a 3 de Junho. Apenas dois dias depois, a 5 de Junho, os
aviadores portugueses atingem o Brasil continental, chegando ao Recife. A 22 de
Junho o “Santa Cruz”, sobrevoando a baía de Guanabara, chega ao Rio de Janeiro,
onde uma multidão em delírio aguarda os aviadores portugueses que, cem anos
após a independência daquela antiga colónia portuguesa, saúdam o povo
brasileiro numa manifestação de amizade realizada de forma inédita.
Por
mais de trinta anos continuaram a ser utilizadas as mesmas técnicas de
navegação desenvolvidas pelos aviadores portugueses para a grande travessia, a
qual abriu definitivamente as portas para o estabelecimento de carreiras de
aviação transatlânticas, assim que a tecnologia de construção aeronáutica fosse
capaz de produzir os aparelhos indicados para o efeito.
No
entanto, Sacadura Cabral não seria propriamente o homem capaz de descansar, uma
vez alcançado um objetivo. Realizado um projeto, seguir-se-ia outro, mais
complexo, mais difícil, mais audaz.
Mas,
a 6 de Janeiro de 1925, Sacadura Cabral é oficialmente dado como desaparecido
na queda e perda do aparelho que pilotava em 15 de Novembro do ano anterior, na
viagem aérea de Amsterdão para Brest.
Falecia
assim, aos comandos do avião que pilotava, o Comandante Sacadura Cabral –
marinheiro, geógrafo, aviador, beirão.




